Natal do ano 800. Na Basílica de São Pedro, em Roma, um rei chamado Carlos assiste aos ofícios celebrados pelo Papa Leão III. Chegou de longe, do bárbaro norte da Europa; veio a Roma, tradicional sede de poder e de fé. Em dado momento, o pontífice romano se aproxima do rei. Este se ajoelha. Leão III coloca-lhe sobre a cabeça uma coroa de ouro e, nesse momento, na pessoa de um famoso monarca germânico, renascia o Império Romano do Ocidente. É coroado pela graça de Deus, cujo apoio cujo apoio almeja para a manutenção de suas conquistas e a quem dará auxilio, cristianizando a Europa. Como cristão, converteu - pela persuasão ou pela força - os povos pagãos ao cristianismo; como monarca consciente. Empreendeu 54 guerras em 45 anos de reinado e anexou a seus domínios toda a Europa ocidental e central, e a Itália, do centro ao norte. Impôs-lhe ova organização jurídica e administrativa. E passou à história como uma das mais importantes personalidades de todo o período medieval

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CARLOS MAGNO: O IMPERADOR ANALFABETO


Diante de sua atuação, que resultou na formação da Europa, esquecem-se os derramamentos de sangue que acompanhavam suas conquistas e a extrema crueldade de alguns de seus atos. Chegou - entre outros - a ordenar que cortassem a cabeça de 4500 saxões. Mas os saxões desapareceram. E ninguém mais se lembra deles, enquanto a Europa, refeita por Carlos Magno, perdura até hoje.

Tudo começa com o fim do Império Romano, no século V, abalado por visigodos, vândalos, burgúndios, francos, ostrogodos - diversos povos germânicos chamados de bárbaros pelos romanos. E a península Itálica, que, com exceção dos burgúndios, invadiram, conduziu-os à Roma imperial, destruída em parte por eles.
No ano de 493, a Itália cai em mãos de Teodorico, chefe ostrogodo, ábil e inteligente, que procurou repor as coisas em seus eixos, isto é, voltar à ordem romana. Mal o consegue: o Império parece definitivamente apagado do mapa. Mas uma organização permanece: a Igreja. Em torno de seus bispos, reagrupam-se as populações romanas e a palavra de ordem que recebem não é resistir militarmente, mas converter os bárbaros ao cristianismo. Assim, os invasores são assimilados pelos que conquistam.
É um longo e difícil período para a Itália. Trinta anos depois de Teodorico, Justiniano, imperador de Constantinopla, tenta unir Roma ocidental e oriental. Submete os Ostrogodos em 552. Segue-se a guerra que enfraquece ainda mais a Itália e abre o caminho a uma nova invasão: os lombardos, em 568, invadem grande parte da península, estabelecem um reino tão sólido que tentam, mesmo, a conquista de Roma. Isso, no ano 773. Ante o perigo, o Papa Adriano I pede socorro de fora: contra os lombardos, chama os francos - também estes bárbaros germanos, mas fixados há 400 anos na província da Gália e cristianizados. Portanto, aliados do Papa e da sua fé. Os francos vêm e vencem. Roma está salva. O salvador é o rei dos francos, Carlos Magno.

De como um mordomo se faz rei

É preciso agora recuar no tempo e mudar de país para sermos apresentados a corte do rei Carlos. Estamos em 481, o lugar é a margem esquerda do rio Reno, a nordeste da Gália; os habitantes da região são da tribo do francos sálios, seu chefe é Clovis, um homem de ambição. Vinte anos depois, a ambição é realizada: Clóvis é dono de quase todo o território da França atual. Tendo adotado o cristianismo como a religião oficial de seu povo, Clóvis tem o apoio da Igreja romana, apoio que se converteria na longa aliança entre o Papa e os reis francos.

Mas a partir de 639, à testa da dinastia merovíngia, fundada por Clóvis surgiram vários indivíduos sem qualquer valor e sem capacidade de liderança. É a época dos "reis indolentes". Não querendo nada com o trabalho - ainda que esse trabalho fosse governar com plenos poderes - foram aos poucos transferindo sua autoridade a seus principais subordinados - os mordomos do paço. E ser mordomo virou cargo hereditário, chegando a incorporar a própria autoridade do monarca. Conclusão: os mordomos foram tomando o lugar dos reis e se instalaram confortavelmente no em seus tronos. Um desses mordomos, homem ativo e enérgico, era Carlos Martel. Abafou as rebeliões internas que se sucediam e deteve, na célebre batalha de Portiers, em 732, a invasão dos mouros muçulmanos que iam tomando conta da Europa cristã, vindos pela Península Ibérica. Com todos esses méritos a seu credito, ainda assim não quis ser chamado de rei. Entretanto, seu sucessor e filho, Pepino, o Breve, não hesitou tanto: tomou o título com a coroa e acabou com os reis merovíngios. Era uma nova dinastia que começava, a dinastia carolíngia, que assim foi chamada devido ao nome do filho de Pepino: Carolus Magnus - Carlos Magno. Pepino continua a tradição da defesa cristã, retém o avanço Lombardo sobre Roma e doa ao Papa, sob forma de Estado Pontifício, as terras que tomaram dos lombardos. O Papa Estevão II vai à Gália e sagra Pepino, o Breve, rei pela graça de Deus. Investe-o, portanto, com o direito divino. É a recompensa da Igreja romana. O ano é 754.

De como Carlos salva Roma

Em 773, como já sabemos, Carlos Magno salva Roma de outra ameaça lombarda. Vale a pena deter-se uns momentos a mais na luta dos francos contra os lombardos: é uma história interessante, pois apesar das guerras a mãe de Carlos Magno conseguiu aliar os dois povos, fazendo Carlos casar-se com Hermengarda, que era princesa, filha de Desidério, rei Lombardo. O casamento, realizado em 770, não diminuiu o assanhamento dos lombardos por dominar a Itália e Carlos teve de escolher. E escolhe, devolvendo Hermengarda a seu pai, mandando suas tropas cruzar os Aples e varrer os lombardos até sua capital - Pavia - onde estes são obrigados a se render, vencidos pela fome.
Aí há uma lenda. Hermengarda, embora repudiada por Carlos, ainda o amava - pelo menos é o que se diz. E enquanto o rei franco assedia o coração do governo Lombardo, o coração de Hermengarda quer assediar o de Carlos. E consegue enviar-lhe uma mensagem, prometendo abrir-lhe as portas da cidade, se ele consentisse em recebe-la. Parece que o rei consentiu, pois a lenda garante que, uma noite, Hermengarda apanhou em surdina as chaves de Pavia e as entregou ao comandante dos francos. Que assim, pôde tomar a cidade de surpresa e furiosamente. Ainda que a lenda seja verdadeira, o truque da amorosa Hermengarda não surtiu efeito: Carlos voltou a casar-se, mas não com ela e sim com Hidelgarda, que não era lombarda: era princesa sueva, e os suevos eram outra tribo germânica da época. Desse casamento, Carlos teve três filhos; Carlos, Pepino e Luís, que junto ao pai, participaram de muitas batalhas.
Lendas e famílias à parte, o fato é que em 774, o Papa aclamou Carlos patrício romano - isto é, tornou-o nobre, pois o rei não o era - deu-lhe uma série de direitor e regalias, estreitando a aliança entre a Igreja e o Estado Franco.

De como se aumenta um império


Nos 25 anos seguintes, Carlos Magno andou à s turras com os saxões, valente povo germânico que não queria saber nem de ser dominado, nem de ser cristão. Ao longo de 25 anos, os saxões - adoradores de Wotan - foram sendo aniqulados e suas terras arrasadas. Seu chefe Widukind, irredutível e obstinado, também acabou vencido - depois que Carloa Magno mandou decapitar os 4500 saxões resistentes - e foi batizado cristão. Seu padrinho: Carlos Magno. O território foi retalhado com os soldados que o defenderam: virou 300 condados, entregue ao governo de condes, e outras tantas províncias,, ou marcas, doadas a marqueses, mas regiões limítrofes do Império que tinham que defender. Assim nasceu pouco a pouco a estrutura feudal da Europa.
Mas sobraram focos de resistência nas regiões pantanosas e Carlos foi implacável: matou gente quanto pode, deportou cerca de 10 mil saxões para o oeste, decretou penas severas a quem fizesse mal à igreja e aos padres, impôs a taxa do dizimo, fundou bispados, nomeu nobres saxões condes, a fim de melhor poder controla-los, e deles exigiu em troca o estabelecimento de cortes de justiça como funcionava entre os francos. E essa justiça funcionava assim: para prevenir abusos dos condes, criou cargos de missi dominici - mensageiros do rei - que percorriam os condados e, na volta, informavam Carlos Magno dos atos de injustiça dos governantes locais. Os missi tinham o direito de instalar, eles próprios, tribunais onde os queixosos podiam levar suas reclamações. Se as queixas fossem graves - e verdadeiras - os missi os missi tinham poder para demitir os funcinarios culpados. Por outro lado, Carlos Magno acabou com a justiça particular, criando tribunais públicos onde as pessoas - réus, vitimas, testemunhas _ eram intimadas a comparecer quando necessário, e investindo os juizes de maiores direitos de controle sobre os processos. Reviveu a instituição romana de da inquirição sob juramento que, bem mais tarde, seria transportada para a Inglaterra pelos normandos, dando origem ao sistema grand jury, o corpo de jurados, as qual cabe decidir se uma causa deve ou não ser submetida a uma corte judicial de instancia superior.

De como se perde

A anexação da Bavária foi mais rápida e menos sangrenta que a da Saxônia. Em 788, Carlos Magno ameaça invadir aquele território sob o pretexto de que um certo duque Tassilo estava conspirando com outro povo - os avaros (ancestrais dos húngaros de hoje) - contra os francos. Derrotando o duque, Carlos divide a Bavária entre os condes francos. No século nono, os bávaros constituíam o principal sustentáculo de Carlos na frente oriental.
Em 791 foi a vez dos ávaros. Derrotados e pilhados, os avaros pediram paz, tornaam-se vassalos de Carlos Magno, aceitaram o batismo cristão e ficaram sob a proteção do império.
Enquanto os francos acertavam as contas na Europa oriental, outro povo investia a oeste, já tendo ocupado toda a Espanha. Eram os árabes. Carlos Magno não gostou da competição e decidiu acabar com os mouros muçulmanos da Espanha. EM 778 comandou uma expedição contra Saragossa, certo de que seria outra fácil conquista. Foi derrotado pelos árabes e, quando as tropas francas fugiam pelos Pirineus de onde vieram, sofreram outro ataque dos bascos - embora cristãos - enraivecidos porque, na ida, Carlos Magno tinha destruído os muros da sua cidade, Pamplona. No estreito de Roncesvalles, os bascos fizeram um estrago especial, liquidando meio mundo e um herói - Rolando - que seria glorificado num dos mais famosos poemas épicos franceses, "La Chanson de Roland". A vingança de Carlos Magno veio mais tarde, quando fez um novo exército ocupar Barcelona e Navarra. E, em 806, seu filho Luis completaria o serviço do pai, anexando Pamplona.


Títulos de acordo com a posição

Rei dos francos e dos lombardos, senhor de uma pequena parte da Espanha e de uma grande parte da Germânia, enfim, governando um mundo que se estendia do norte da Itália até o Atlântico e do rio Ebro até o Elba, Carlos Magno não era um monarca comum. Pelo contrário, as terras que conquistou fizeram dele uma espécie de árbitro da Europa ocidental.
Era mais do que um rei, pois tinha um poder que não se circunscrevia aos limites geográficos regionais de uma simples monarquia. Indubitavelmente, o titulo que mais se adequava a seu poder era o de imperador, pois o imperador era mais que um rei: este era um monarca local; aquele, um monarca universal.
É bem verdade que o Império Romano não tinha deixado de existir e os imperadores legítimos eram aqueles que governavam em Constantinopla. Mas, depois que Carlos Magno estendeu o seu domínio sobre a maior parte da Europa ocidental, o Império Romano do Ocidente foi reconstituído de fato, e parecia justo que o título de imperador fosse dado àquele que possuía a autoridade.
De tudo isso resultou o Império Carolíngio, que uniu os povos da Europa ocidental. Mas Carlos Magno estava envelhecendo, e, em 806, dividiu o governo entre seus filhos legítimos. Entretanto, em 813, um ano antes de morrer, Carlos nomeou Luis, o Piedoso - o único filho legítimo ainda vivo -, seu sucessor, estabelecendo assim o caráter hereditário do Império.
Mas a união da Europa não duraria muito. O Império acabou dividido entre os três filhos de Luis - Carlos, Luis e Lotário -, por um tratado que se celebrou em Verdun, em 843. Desaparecia de novo o poder central, sucedendo-se uma série de guerras entre os francos ocidentais e orientais.
A França nasceu do reino do reino ocidental dos francos, onde o povo acabou preferindo a fala latina, embora vulgarizada, enquanto os francos orientais, habitando a atual região da Alemanha, mantiveram uma língua muito semelhante à que era falada pelos primeiros membros de sua tribo.

Do palácio à escola

A sede do Império de Carlos era Aquisgrana - que os franceses chamam Aix-la-Chapelle e os alemães, Aachen. Lá contruiu seu palácio com uma capela e uma escola. Carlos, embora analfabeto até a idade adulta, acreditava muito no valor da educação e mandou vir à sua escola notáveis sábios da época a fim de lecionarem aos oficiais e aos paladinos - cavaleiros escolhidos ppela bravura demonstrada no campo de batalha. Depois criou escolas em vários outros centros do Império. Nesse palácio, Carlos Morreu no ano 814.

Fonte: Enciclopédia Conhecer, volume I, 1973, editora Abril.